Reportagem publicada nesta quarta-feira (14) pelo jornal “Folha de S. Paulo” afirma que o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), “selecionava” pessoas para serem investigadas pelo órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que na época também era dirigido pelo ministro.

Trata-se de um novo desdobramento do assunto abordado nessa terça (13) pelo mesmo veículo.

Segundo o jornal, as mensagens indicam que o setor de combate à desinformação do TSE foi “utilizado como braço investigativo do gabinete do ministro no Supremo”. Elas também revelam um “fluxo fora dos procedimentos habituais entre os dois tribunais [TSE e STF]”.

O gabinete de Alexandre de Moraes afirma que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.”

A reportagem faz referência a dois inquéritos do STF: o das fake news, instaurado em 2019, e o das milícias digitais, aberto em julho de 2021 a partir de investigações anteriores.

O CASO

O gabinete do ministro Alexandre de Moraes ordenou, por meio de mensagens e de forma não oficial, a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões dele mesmo contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no inquérito das “fake news”, que corre no Supremo Tribunal Federal.

A publicação teve acesso a 6 gigabytes de conversas via WhatsApp que mostram como o setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral teria sido usado como uma espécie de braço investigativo para Alexandre de Moraes. O ministro, vale lembrar, foi um dos integrantes do TSE entre 2020 e 2024, sendo presidente da Corte nos últimos dois anos.

De acordo com a reportagem, as mensagens revelam um fluxo fora do comum envolvendo o TSE e o STF. Entre os envolvidos nas mensagens está o principal assessor de Moraes no STF.

Em alguns momentos das conversas, segundo a “Folha de S. Paulo”, assessores relataram irritação do ministro com a demora no atendimento às suas ordens.

“Vocês querem que eu faça o laudo?”, consta em uma das reproduções de falas do ministro.

“Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores.

“Ele tá bravo agora”, disse outro.

O maior volume de mensagens com pedidos informais, segundo o jornal, envolveu o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Alexandre de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, um perito criminal que à época chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. Tagliaferro deixou o cargo em maio de 2023, após ser preso sob suspeita de violência doméstica.

As mensagens mostram que Airton Vieira pedia informalmente a Tagliaferro — via WhatsApp — relatórios específicos contra aliados de Jair Bolsonaro. Esses documentos eram enviados da Justiça Eleitoral para o inquérito das fake news, no STF.

Em nenhum dos casos aos quais a “Folha” teve acesso havia informação oficial de que esses relatórios tinham sido produzidos a pedido do ministro ou do seu gabinete. Em alguns, aparecia que o relatório era “de ordem” do juiz auxiliar do TSE. Em outros, uma denúncia anônima. As mensagens são de agosto de 2022 a maio de 2023.

Um exemplo citado pela reportagem é relacionado ao jornalista Rodrigo Constantino. Dois pedidos de monitoramento e produção de relatórios sobre publicações dele mostram como se dava a dinâmica, segundo o jornal.

Um dos pedidos de relatório é de 28 de dezembro de 2022, a quatro dias da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro mandato.

Airton pergunta a Tagliaferro se ele pode falar. “Posso sim, posso sim, é por acaso [o caso] do Constantino?”. Depois desse áudio, os dois teriam iniciado uma conversa sobre um pedido de Alexandre de Moraes para fazer relatórios a partir de publicações das redes de Constantino e de Paulo Figueiredo, ex-apresentador da Jovem Pan e neto do ex-presidente João Batista Figueiredo (regime militar).

À época, Constantino e Figueiredo entraram na mira de Moraes porque fizeram ataques à lisura da eleição e a ministros do STF, além de incitar os militares contra o resultado das urnas.

“Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: vocês querem que eu faça o laudo? Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando”, diz Vieira em áudio enviado às 23h59 daquele dia.

“É melhor por [as postagens], alterar mais uma vez, aí satisfaz sua excelência”, completa Vieira.

Tagliaferro então responde, já na madrugada do dia 29 de dezembro de 2022, e afirma que o conteúdo do relatório enviado anteriormente já seria suficiente, mas que iria alterar o documento.

“Concordo com você, Eduardo [Tagliaferro]. Se for ficar procurando [postagens], vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele [Moraes] cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, responde Vieira.

Dias depois dessa conversa, em 1º de janeiro de 2023, Airton Vieira enviou a Tagliaferro cópias de duas decisões sigilosas de Moraes, relacionadas ao inquérito das fake news, que foram baseadas em um relatório supostamente enviado espontaneamente. Nas decisões, Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários de Constantino e Figueiredo, bem como o cancelamento de seus passaportes, bloqueio de suas redes sociais e intimações para que fossem ouvidos pela Polícia Federal.

FONTE: Itatiaia

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